TIQUES
NA CRIANÇA

O que são tiques?

Os tiques são movimentos rápidos, recorrentes e não rítmicos (tiques motores) ou sons vocais (tiques vocais) incontroláveis. Em alguns casos incluem palavras e frases inapropriadas. Os tiques motores ou vocais são sempre involuntários.

Exemplos de tiques motores: pestanejar, movimentar a cabeça, sacudir os braços, saltar, tocarem objetos ou pessoas, movimentar todo o corpo

Exemplos de tiques verbais: limpar a garganta, dar estalinhos com a língua, fungar, grunhir, imitar sons de animais ou em situações mais raras palavras ou frases fora de contexto.

Quando podem surgir os tiques?

Habitualmente os tiques surgem na infância entre os 4-12 anos (média entre os 7-8 anos) e atingem uma maior severidade na adolescência.

A evolução dos sintomas pode ser transitória ou crónica. Habitualmente os tiques motores e vocais mudam de frequência, evoluem em complexidade e podem intercalar entre períodos de maior ou menor intensidade. Os tiques vocais podem surgir cerca de 1 a 2 anos depois dos motores.

Na população pediátrica a prevalência de tiques transitórios (duração menor a 1 ano) é de 3% e de tiques crónicos (duração superior a um ano) de 1,6%.

O que é a síndrome de Gilles de la Tourette?

A síndrome de Gilles de la Tourette (SGT) é uma perturbação neurológica descrita pela primeira vez em 1885 por um neurologista francês chamado George Gilles de la Tourette e é caracterizado pela presença de tiques crónicos motores e vocais.

A prevalência na população pediátrica é de 0,3-0,9%. Os sintomas surgem habitualmente entre os 5 e os 18 anos e são mais frequentes no sexo masculino.

Atualmente o SGT está dividido em 2 grupos: SGT puro (15%) e SGT plus (75%) e pode estar associado a comorbilidades.

Qual é a causa de SGT?

Não está claramente identificada, mas pressupõe-se a existência de alterações em determinados circuitos cerebrais e neurotransmissores (substâncias que fazem circular a informação no cérebro).

Estudos recentes descrevem diminuição do volume dos gânglios basais e desinibição dos interneurónios gaba e colinérgicos do estriado.

A SGT pode ter uma causa genética?

Sim. Está descrita alguma tendência genética:

  • Um familiar direto de um individuo com SGT tem uma probabilidade 10-15% e vir a ter a doença.
  • Existem alguns genes que estão associados à expressão de SGT (cromossoma 13, 31.3).

Há estudos em curso sobre a SGT?

Sim.

Pensa-se que possa existir uma base autoimune e além disso, estudos recentes identificaram alterações cerebrais através de ressonância magnética.

Como é que se diagnostica a SGT?

O diagnóstico é clínico. É realizado através da avaliação dos sintomas ao longo do tempo e deve ser feito por um neuropediatra.

Não são necessários exames de sangue ou de imagem por rotina.

Quais são os critérios de diagnóstico da SGT?

Os principais critérios são:

  • A presença de tiques motores e/ou vocais
    • Tiques motores (são os mais frequentes) -movimentos da cabeça, ombros, corpo, caretas, piscar os olhos, necessidade de tocar os objetos, necessidade de ligar ou desligar luzes e/ou
    • Tiques vocais – ruídos involuntários, palavras ou frases, “cócegas” na garganta, variedade de sons e gritos, riso involuntário, ecolalia – repetir o que os outros acabaram de dizer, coprolalia palavras obscenas
  • Início dos tiques antes dos 18 anos de idade
  • Duração dos tiques pelo menos durante um ano
  • Período de agravamento e melhoria dos tiques ao longo do tempo
  • Alteração do tipo de tiques com o tempo (num momento pisca os olhos e no ano seguinte tem movimentos de sacudida de ombros)
  • A presença dos tiques não está associada a outras doenças ou fármacos

A informação que os cuidadores transmitem aos médicos é extremamente importante uma vez que as crianças na presença do médico podem controlar os tiques.

Quais são as comorbilidades associadas à SGT?

A Perturbação do Espectro do Autismo está associada em 5%.

A Perturbação de Défice de Atenção e Hiperatividade (PDAH) é a comorbilidade mais associada ao SGT (38-60%).

A Perturbação Obsessiva-Compulsiva (POC) surge em cerca de 11 a 66% dos casos (nestes casos a criança, habitualmente de idade mais jovem e do sexo masculino, sente que tem de fazer algo de modo repetido: lavar as mãos, verificar se a porta está fechada).

Pode também estar associada a depressão, dificuldades de aprendizagem generalizadas ou específicas da leitura e escrita, entre outros.

Como se podem prevenir os tiques?

Alguns conselhos que podem ajudar a diminuir a frequência e/ou intensidade dos tiques são:

– Aprender a reconhecer os impulsos e desta forma concentrar-se gradualmente de modo

sucessivamente mais rápido e preciso no controle dos tiques;

  • Evitar situações de stress e ansiedade;
  • Ter uma boa higiene do sono;
  • Praticar exercício físico;
  • Dedicar tempo a passatempos desportivos, musicais

Os profissionais de saúde podem ajudar a melhorar os sintomas?

Sim. Os pilares do tratamento assentam na avaliação das comorbilidades associadas e severidade dos sinais e sintomas com base em algumas escalas de classificação como a YGTSS (Yale Global Tic Severe Scale).

Algumas terapêuticas como a psicoeducação, terapias cognitivo-comportamentais, farmacoterapia e ainda a cirurgia podem melhorar os sintomas destas crianças.

Todas as crianças com SGT precisam ser medicadas?

Se a doença não tiver impacto social nem académico as crianças não necessitam de tratamento farmacológico.

Quais são as terapêuticas não farmacológicas que existem?

A intervenção não farmacológica assenta em terapias cognitivo-comportamentais.

As terapias cognitivo-comportamentais envolvem a psicoterapia, treinos de relaxamento, hipnose, HRT (habit-reversal training) e ERP (exposure-response prevention). Estas dependem da capacidade de intervenção do terapeuta e também da maturidade do paciente, pelo que são mais facilmente aplicáveis em crianças com mais de 10 anos.

O CBIT (Comprehensive Behavioral Intervention for Tics) é actualmente o protocolo de actuação de primeira linha na Europa.

E se a terapêutica comportamental não for eficaz só por si?

Quando há interferência dos tiques na qualidade de vida e as terapias comportamentais não evidenciam melhoria, os médicos em conjunto com os pais discutem o possível benefício de instituição de fármacos.

Que tipo de fármacos são utilizados?

Os fármacos mais usados são os agonistas α 2 adrenérgicos (clonidina) e os psicofármacos (neurolépticos).

Outros fármacos que também são utilizados: topiramato, baclofeno, toxina botulinica. Recentemente começaram a ser comercializados os Patchs Transdérmicos de Clonidina (ainda não disponíveis em crianças).

Como habitual em todos os fármacos, há necessidade de verificar a existência de efeitos secundários que possam estar associados (hipotensão, bradicardia, alterações do sono, rigidez, entre outros).

A terapêutica comportamental e farmacológica são sempre eficazes?

Na maior parte dos casos sim.

Mas, se o tratamento não responder a 3 fármacos pode estar indicada a cirurgia (deep-brain stimulation– DBP- em doentes com mais de 25 anos).

Qual o papel dos pais no tratamento?

Os pais são um elemento chave na abordagem destas crianças, uma vez que é através deles que se obtêm um maior e melhor conhecimento acerca da história natural, oscilação da intensidade e frequência dos tiques, fatores de agravamento e ou alivio e comorbilidades associadas.

A decisão de instituir ou não terapêutica farmacológica é também discutida com os pais uma vez que são eles quem melhor reconhece a interferência dos tiques na qualidade de vida dos seus filhos.

Qual o papel da escola?

As crianças com SGT têm capacidades cognitivas semelhantes às outras crianças, no entanto algumas precisam de um plano de intervenção individualizado.

Tal verifica-se sobretudo naquelas com défice de atenção em que os tiques podem dificultar a aprendizagem.

Muitas crianças podem ainda beneficiar do uso de computador para problemas de leitura e escrita, da realização de exames com duração mais curta e/ou em uma sala isolada (se os tiques vocais causarem problemas) e permissão para sair da aula quando os tiques ficam fora de controlo.

O que fazer na presença de uma criança com SGT?

Deve-se manter a calma e agir naturalmente sem estar sistematicamente a reparar nos seus movimentos ou chamá-la à atenção.

Existe remissão completa do quadro?

A maioria das crianças afetadas melhora ao longo do tempo, mas apenas uma minoria alcança uma remissão completa na idade adulta.

De uma forma global, a maioria das crianças com tiques motores simples entra em remissão completa e aquelas com SGT têm uma remissão menor.

E no futuro? As crianças com SGT podem ter qualquer profissão?

Sim.

Dependendo da gravidade dos seus sintomas elas podem exercer várias profissões (médicos, engenheiros, músicos, atletas, administrativos…).

Novidades!

O “TicHelper” (www.tichelper.com) é uma aplicação online baseada no protocolo CBIT (Comprehensive Behavioral Intervention for Tics) para crianças com mais de 8 anos com SGT. O objectivo é ensinar os pais e crianças com tiques a reconhece-los, a reconhecer as situações que os desencadeiam e a bloqueá-los.

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