Na sua origem tem que haver lesão cerebral não-progressiva ocorrida num período muito precoce do desenvolvimento cerebral, desde o período fetal até aos primeiros 2 a 3 anos de vida. Apesar das severas incapacidades motoras e físicas ficam pois excluídas da designação PC, situações como doenças neuro-musculares, spina bífida com envolvimento neurológico ou doenças degenerativas do sistema nervoso.
PC ao ser definida como incapacidade no desenvolvimento, é vista como ocorrendo muito cedo na vida da criança e embora tenha base neurológica, em termos individuais é caracterizada pelas suas características funcionais específicas mais do que pela etiologia.
O que atrás fica dito, também implica que se é verdade que a lesão cerebral é fixa isto é, não-evolutiva, no entanto as manifestações clínicas podem modificar-se perante os desafios que vão surgindo com o desenvolvimento das crianças, a terapêutica instituída e a plasticidade cerebral, tão importante nos primeiros anos de vida.
A persistência da designação “Paralisia Cerebral” apesar da forte agressividade do nome, tem a ver com as suas necessidades terapêuticas que apresentam especificidade própria e daí, tornar mais fácil elaborar programas com largas equipas diferenciadas em várias áreas. Ou seja o reconhecimento por todos, da entidade e da designação, apresenta francas vantagens administrativas e pragmáticas e que na ausência de melhor designação, vai persistindo
Na vigilância a nível nacional em Portugal realizada a partir de notificações de casos de paralisia cerebral aos 5 anos de idade de crianças nascidas em 2001 mostrou incidência (isto é nº de casos novos) de 1,93 por mil nados vivos. A mesma vigilância nacional posteriormente deu conta de incidências significativamente mais baixas nos nascidos nos anos seguintes em 2002 e 2003 mas houve muito menor número de notificações pelo que o valor de 2001 parece ser mais próximo do real apesar de também aí reconhecer-se ter havido subnotificação.
Que fatores de risco? Desde logo a grande prematuridade que em todas as séries assumem papel importante. Nos casos com PC notificados em Portugal de crianças nascidas em 2001, 42,6% desses casos diziam respeito a prematuros tendo nesse ano a taxa de prematuridade no nosso país sido de 5,64% ou seja uma diferença muito significativa.
Nos que nasceram prematuros, as patologias mais frequentemente encontradas são a leucomalácia periventricular e o enfarte venoso após hemorragia intraventricular, ambos consequência da grave imaturidade da rede vascular entre as 24 e as 34 semanas. No entanto têm sido encontradas nestes casos, não só lesões da substância branca cerebral como sugerem as patologias supra, mas também lesões neuronais com particular realce para neurónios “imaturos” situados entre o tálamo e o córtex cerebral bem como lesões axonais explicando assim melhor a co-morbilidade que os indivíduos com baixa idade gestacional apresentam e que vão bem além da incapacidade motora.
A formação do sistema nervoso central inicia-se “in utero” com as suas fases conhecidas de proliferação, migração e organização neuronal muito ativas até 20-24 semanas que antecedem a sinaptogénese, proliferação dendrítica e mielinização que se prolonga pelos primeiros anos após o nascimento. É pois um período muito longo de vulnerabilidade para várias agressões, podendo determinar lesões malformativas, predomínio de lesões da substância branca e/ou da substância cinzenta.
Se quisermos sistematizar podemos pois subdividir as lesões em:
Recentemente em estudos populacionais prospectivos dá-se conta que em países desenvolvidos 10,5% dos chamados “extremamente prematuros”, que agora nascem cada vez mais, isto é com menos de 27 semanas de gestação, vêm a desenvolver paralisia cerebral. Nascem pois inadequados para os desafios que encontram. Por outro lado muito recentemente estudos populacionais muito rigorosos mostraram que apesar disso com os cuidados agora existentes, a prevalência de PC baixou significativamente na primeira década do século XXI exceto no grupo que nasceu entre 28 e 36 semanas onde apesar de ter flutuado não foi significativa a diferença.
Fatores de risco pré-natais (polimorfismos genéticos específicos, infecções da unidade mãe/placenta/feto, radiações, drogas, gemelaridade, perturbações da trombofilia e da função tiroideia, acidentes vasculares cerebrais (AVC)), perinatais (com grande prematuridade e asfixia perinatal grave com encefalopatia hipóxico-isquémica à cabeça) e pós-natais com infecções (sepsis e meningoencefalite), afogamentos, AVC ou traumatismos cerebrais severos nos primeiros anos de vida.
Muito longe vai o tempo em que paralisia cerebral era sinónimo de asfixia do bébé ao nascer. Claro que embora hoje mais rara, é uma situação possível e aliás já foram definidos critérios para considerar-se quando é que a asfixia é severa o suficiente para desencadear paralisia cerebral de “per si”. Assim foram definidos critérios essenciais (determinados valores de pH e excesso de base na gasometria do cordão umbilical, encefalopatia precoce com convulsões neonatais precoces e o tipo de paralisia cerebral) e os que sugerem (não-evolução de um mau índice de Apgar, disfunção multisistémica e alterações na ressonância magnética encefálica precoce).
Assim é possível e desejável no que se refere a intervenção, que todos sejam classificados como tendo paralisia cerebral espástica unilateral ou bilateral, disquinética ou atáxica. No entanto ao definir alguém com PC deve-se não apenas caracterizá-lo pela anomalia neurológica major, mas também pelo seu grau de incapacidade funcional motora e não-motora para melhor determinar o processo de habilitação.
No que diz respeito a gravidade da incapacidade funcional é possível classificar de níveis I a V, sendo V o mais grave, a função motora global (GMFCS gross motor function classification system), a motricidade motora fina bimanual (BFMF), o desempenho na alimentação, a comunicação, o controle da baba e muitas outras.
Durante longos anos a intervenção no que se refere a intervenção de prevenção primária procurou conhecer factores etiológicos para reduzir a incidência de paralisia cerebral e muito foi conseguido na qualidade da resposta pré e perinatal e com a resposta à prematuridade, só que passaram a nascer crianças com ainda menor idade gestacional criando desafios sempre crescentes pela sua não-preparação para o nascimento.
No que diz respeito à restante intervenção terapêutica, durante longos anos foi práticamente apenas dada ênfase à componente motora e realizada por longos períodos em instituições de reabilitação.
Ora por todo o lado, cedo deu-se conta da larga comorbilidade associada, como sucedeu em estudo populacional na Noruega recentemente publicado em 95% de todas as formas de paralisia cerebral. Lugar destacado para perturbações na comunicação, visuomotricidade, aprendizagem, alimentação, estado nutricional, defeitos sensoriais e epilepsia pelo que as equipas de reabilitação em paralisia cerebral passaram obrigatoriamente a incluir as várias valências. Criaram-se associações de paralisia cerebral por todo o lado já numa óptica diferente multidisciplinar/interdisciplinar em que o modelo procurado é a perspectiva multidimensional e interdisciplinar e em que a família é reconhecida logicamente como importante elemento na decisão da intervenção mais adequada em cada momento.
Todos com PC devem pois ter sempre a resposta de uma equipa que integre fisioterapeuta, terapeutas ocupacional, da fala e de psicomotricidade, psicólogo, assistente social, nutricionista e várias especialistas médicos estando numa 1ª linha fisiatras, neuropediatras, neurologistas, ortopedistas, oftalmologistas, otorrinolaringologistas e numa 2ª linha, muitas outras especialidades com realce para gastroenterologia, pneumologia, psiquiatria, e imagiologia.
As limitações na PC são tantas e afinal não demos ainda conta:
Esta resposta à PC deve envolver pois, instituições especializadas para os apoios multidimensionais necessários como sucede com as associações de paralisia cerebral (em Portugal iniciadas em 1960) lideradas por famílias e técnicos, mas também com equipas multidisciplinares a nível hospitalar e extra-hospitalar, que no entanto exige-se que sejam muito completas, com experiência na área e a trabalhar coordenadas.
Por todo o lado, com a maior esperança de vida na PC, há muito deu-se conta de que a intervenção não deveria ser com os doentes e suas famílias “sequestrados” em instituições, mas que a reabilitação deveria ser na comunidade onde pretende-se que funcionem integrados.
Passou a ser decisivo “habilitar a participar” e obrigou a comunidade a disponibilizar respostas em todos os lugares, impedindo a sua segregação maximizando potencialidades, minimizando complicações, melhorando a autonomia e reduzindo a desvantagem para melhor qualidade de vida deles e suas famílias. Apesar de todo o investimento feito, os resultados são ainda pobres em termos da sua participação na vida adulta a todos os níveis da vida em sociedade mesmo naqueles com normal capacidade intelectual.