A EPILEPSIA

O que é a Epilepsia?

É uma doença caracterizada por uma predisposição duradoura para gerar crises epilépticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais das mesmas.

Crises epilépticas e epilepsia não são o mesmo. Uma crise epiléptica é a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas devidos a uma actividade neuronal excessiva ou síncrona no cérebro, com duração variável (geralmente entre alguns segundos a vários minutos); i.e., é um evento resultante de uma disfunção temporária da actividade eléctrica cerebral. Epilepsia, por seu turno, é uma doença que se expressa através de crises epilépticas recorrentes (duas ou mais, separadas por intervalo superior a 24h ou uma crise única associada a um elevado risco avaliado de repetição), súbitas e imprevisíveis, incontroláveis pelo doente (i.e., não provocadas ou reflexas).

A Epilepsia é uma doença comum?

A epilepsia é a disfunção do sistema nervoso mais comum, afectando cerca de 65 milhões de pessoas em todo o mundo.

Em Portugal, cerca de 40.000 a 70.000 pessoas sofrem desta doença. Calcula-se que uma em cada 100 crianças tenh  ou venha a desenvolver esta perturbação e representa uma das principais causas de doença crónica na idade pediátrica.

Qual a causa da Epilepsia?

As causas possíveis de epilepsia são:

1. Genética: quando a epilepsia é entendida como o resultado direto de um defeito genético conhecido ou presumido e em que as crises são o principal sintoma da doença (por exemplo, mutações no gene SCN1A e síndrome de Dravet). Não exclui a possibilidade de que fatores do meio ambiente (fora do indivíduo) possam contribuir para a expressão da doença.

2. ”Estrutural/metabólica”: quando existe uma condição distinta estrutural ou metabólica ou outra doença que demonstrou estar associada a um substancial aumento do risco de desenvolver epilepsia. Lesões estruturais incluem distúrbios adquiridos como acidente vascular cerebral, trauma e infecção. Algumas das causas estruturais são de origem genética (por exemplo, esclerose tuberosa ou algumas malformações do desenvolvimento cortical).

3. ”Causa desconhecida”: é uma forma neutra para designar que a natureza da causa subjacente é ainda desconhecida; pode haver um defeito genético fundamental ou pode ser a consequência de um distúrbio separado ainda não reconhecido. Esta representa uma percentagem muito significativa dos casos.

Como posso reconhecer uma crise epiléptica?

Existem vários tipos de crises epilépticas. Habitualmente as crises são facilmente reconhecidas pelos pais. Dependendo do tipo de crises, pode haver um ou mais dos seguintes sinais:

  • Olhar fixo (5-10 segundos), sem resposta à estimulação;
  • Perda súbita da força muscular com queda;
  • Pestanejo rápido ou revulsão ocular;
  • Movimentos da boca (mastigação) ou da face;
  • Movimentos rítmicos (“estrebuchar”) de todo ou parte do corpo;
  • Rigidez muscular (hipertonia)
  • Perda de urina / fezes;
  • Mordedura língua / bochecha;
  • Perda de consciência com queda;
  • Comportamento confuso, sem objetivo.
  • Relato de sensações subjetivas (sensitivas, sensoriais, cognitivas ou emocionais)

As crianças sentem dor quando têm uma crise?

Não.

O cérebro sofre com as crises?

  • As crises isoladas de curta duração não causam lesão ou sofrimento cerebral.

  • Crises muito prolongadas (duração superior a 15-30 minutos) podem condicionar sofrimento cerebral. Crises muito frequentes podem interferir com o normal desenvolvimento de algumas funções cerebrais.

Que médico devo consultar se o meu filho tem epilepsia e que exames devem ser realizados para comprovar o diagnóstico?

Além do Médico Assistente (Médico de Família ou Pediatra), o seu filho deve ser avaliado por um médico especializado em Neuropediatria.

O diagnóstico de epilepsia é feito essencialmente com base em elementos recolhidos através da entrevista clínica. A descrição das crises é na maioria das vezes suficiente para o médico fazer o diagnóstico de epilepsia. Contudo, o médico tem por vezes necessidade de recorrer a exames que o ajudam a confirmar o diagnóstico, classificar o tipo de epilepsia ou síndrome epiléptico ou determinar com mais rigor a possível causa de alguns tipos de crises. O electroencefalograma constitui o exame mais adequado para o efeito. Este teste envolve a aplicação de uma série de eléctrodos na cabeça para detecção da actividade eléctrica cerebral. No entanto, o electroencefalograma pode ser normal em crianças com epilepsia e, por outro lado, pode mostrar alterações em doentes sem epilepsia (por isso, só deve ser realizado quando existe uma suspeita fundamentada de epilepsia e os seus resultados devem ser cuidadosamente interpretados em função da clínica). De acordo com a situação clínica, para esclarecer a causa, o médico poderá necessitar de pedir exames imagiológicos (TAC ou Ressonância magnética crânio-encefálicas) ou outros (nomeadamente estudos genéticos, metabólicos ou auto-imunes).

Qual o tratamento?

Algumas epilepsias autolimitadas características da idade pediátrica (por ex. a epilepsia rolândica) não necessitam de tratamento crónico, desde que as crises não sejam muito frequentes, na medida em que resolvem espontaneamente com a idade.

Existem disponíveis vários medicamentos usados para o tratamento da epilepsia (fármacos antiepilépticos – FAEs), seleccionados em função do tipo de crise/epilepsia e de factores individuais de cada doente. Os FAEs não curam a epilepsia; destinam-se a prevenir a ocorrência de crises epilépticas e para esse efeito têm que ser tomados diariamente e em horários regulares. Até 70% (7 in 10) das pessoas com epilepsia podem ter a sua epilepsia controlada mediante a utilização de FAEs adequado(s). Por vezes, são necessárias várias tentativas para encontrar o(s) medicamento(s) certos para o controlo das crises. O objetivo do tratamento deve ser a utilização do menor número possível de fármacos e na dose mais baixa com eficácia, com vista a conseguir o melhor controlo das crises com o mínimo de efeitos secundários.

Nos restantes casos, em que a medicação não permite um controlo adequado das crises (chamadas “epilepsias refractárias”), pode ser benéfico optar pelo início de uma dieta especial com maior proporção de gorduras (dieta cetogénica) ou pode estar indicado um tratamento cirúrgico (ressectivo ou paliativo) ou de neuromodulação (neuroestimulador do vago ou estimulação cerebral profunda se idade superior ou igual a 16 anos). Os doentes com epilepsia refractária idealmente devem ser referenciados para uma avaliação num Centro de Referência de Epilepsias Refractárias (existem cinco em Portugal).

Que fatores podem contribuir para desencadear as crises?

Embora a maioria das crises não tenha fatores desencadeantes identificáveis, algumas situações podem aumentar o risco de ocorrência das mesmas, como sejam:

  • Falha(s) na toma de medicação;

  • Estímulos luminosos;

  • Febre / Infecções;

  • Consumo de álcool;

  • Cansaço físico e mental/stress;

  • Sons bruscos;

  • Privação de sono;

  • Alterações hormonais (período menstrual nas adolescentes).

A epilepsia é igual em todos os doentes?

Não. Além das diferentes causas de que falamos atrás, a epilepsia pode manifestar-se com crises de características diferentes. Além disso, as  epilepsias são também diferentes na frequência com que as crises se repetem e na facilidade com que são controladas.

Dependendo da idade, tipo de crise(s), presença ou não de alterações no desenvolvimento psicomotor e/ou observação neurológica e das alterações no EEG e RMN CE, as epilepsias na criança podem classificar-se em vários síndromes epilépticos.

O meu filho...

… tem epilepsia mas hoje, após a medicação anti-epilética, vomitou. O que devo fazer?

  • Se o vómito ocorrer até 1 hora após a toma, a criança deve repetir a toma. Após esta altura, alguns dos fármacos já atingiram o seu pico de concentração pelo que a decisão deve ser individualizada e discutida com o seu médico.

  • Se o seu filho tem vómitos incoercíveis, deve dirigir-se ao hospital pois pode ser necessário iniciar tratamento endovenoso.

… hoje fez a medicação anti-epilética 2 vezes. O que devo fazer?

Ao fazer 2 tomas, os níveis sanguíneos dos fármacos aumentam mas ainda são seguros. Não deve administrar a dose seguinte. Se houve ingestão de concentrações mais elevadas do medicamento, o seu filho deverá ser observado no Hospital, tendo em conta o risco de intoxicação.

… precisa de fazer análises para verificar os níveis de medicação?

A monitorização de rotina dos fármacos anti-epilépticos não está recomendada.

Contudo, em casos de agravamento das crises ou aparecimento de sinais ou sintomas de toxicidade ou nas crianças com doença renal ou hepática será desejável a monitorização dos níveis sanguíneos do fármaco. No caso do fármaco utilizado ser a fenitoína, deve ser feita monitorização sempre que é modificada a dose ou associados fármacos que interfiram com o metabolismo daquela.

… tem epilepsia e vai ser operado amanhã. Ele deve fazer a medicação?

Sim, deve ser dada a medicação nas doses habituais.

… precisa de fazer análises sanguíneas de rotina?

Deverá fazer um estudo analítico antes do início do tratamento, apenas com alguns fármacos anti-epiléticos.

Estudos mostraram que a realização de análises de rotina não é necessária, com exceção dos doentes medicados com o fármaco felbamato (risco de anemia grave). Em caso de doença aguda arrastada, vómitos, febre prolongada e inexplicada, extrema fadiga, sintomas gripais, nódoas negras fáceis, alteração do estado mental ou dor abdominal deve suspeitar-se de efeitos adversos da medicação e deve proceder-se então a uma avaliação analítica.

Os doentes com epilepsia tratados com FAEs têm risco aumentado de redução da densidade óssea e défice de vitamina D. Pode, assim, estar indicado dosear a vitamina D no sangue e fazer um suplemento com cálcio e vitamina D em crianças que façam medicação anti-epiléptica de longa duração.

… deixou de ter crises. Posso parar a medicação?

Não. A paragem brusca da medicação anti-epilética pode aumentar a gravidade e a frequência das crises.

Esta é uma decisão que deve ser sempre tomada pelo médico e feita de forma gradual. A duração da medicação antiepiléptica aconselhável varia de acordo com o tipo de epilepsia/síndrome epiléptico e variáveis individuais de cada paciente. No entanto, de um modo geral, a retirada da medicação AE deve ser considerada na maioria das crianças que se encontrem sem crises há 2 anos, independentemente da causa da epilepsia. A probabilidade de recorrência após um período de 2 anos sem crises é aproximadamente de 30 a 40%.

… vai ter sempre esta doença? Terá que fazer medicação para sempre?

Estudos epidemiológicos demonstraram que 70 a 80% dos doentes tratados têm remissões prolongadas ou permanentes.

… esqueceu-se de tomar os anti-epiléticos. O que devo fazer?

Deve retomar o esquema de medicação assim que possível.

  • Se faz apenas uma toma diária, deve tomar o fármaco assim que se lembrar;
  • Se se lembrar apenas no dia seguinte deve fazer uma única dose (não dobrar as doses a não se que tenha sido instruído para isso pelo seu médico)
  • Se a criança faz 2-4 tomas por dia deve-se ajustar as doses de modo a permanecerem espaçadas.

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